Felizmente há luar!
“Há homens que obrigam todos os outros homens a reverem-se por dentro...”
(António de Sousa Falcão, in Felizmente há luar!)
Recebi, da parte de Júlio Gago e do TEP, em dezembro de 2011, o desafio de encenar “Felizmente há luar!”, de Luís de Sttau Monteiro. Esta não era uma peça que escolheria para encenar, à partida e, era verdade, pouco sabia sobre ela. Sabia, isso sim, da longa experiência do TEP na montagem desta peça: estive perto de atores colegas que tinham participado numa ou noutra montagem, sabia do sucesso desta empresa junto das escolas de todo o país, mas não tinha tido nunca oportunidade de assistir a uma das representações. Talvez tenha sido melhor assim – não haveria nada que me fizesse aproximar ou afastar, conscientemente, desta ou daquela versão. Ao ler e estudar o texto, fui-me apercebendo não só da sua pertinência, neste período que atravessamos no nosso país, e da sua importância na relação que estabelece com a história de Portugal como também dos saltos que podemos dar para trás e para a frente na dita história, ficando a sensação de muito acontecer e pouco se alterar.
A peça refere-se a uma figura que nunca aparece, o General Gomes Freire de Andrade, uma figura que parte, desaparece ou é silenciada, tal como tantas outras que conhecemos, nos marcaram, nos guiaram ou (ainda) nos condicionam. Que distância existe entre 1817, quando desapareceu Gomes Freire, 1965, aquando da morte do General Humberto Delgado e 2012, quando temos a sensação que muitos desapareceram e estamos perante o abismo de ter que partir? E que regimes foram esses que apagaram os que não tinham medo? E que povo se manteve calado, por medo de não ter mais do pão que o alimentasse? E que gentes são essas que ainda vivem e resistem de um lado ou de outro da tábua larga e opaca que as separa?
Ao trabalhar sobre “Felizmente há luar!” quis entender primeiro as suas palavras, quis conhecer bem os seus agentes, quis investigar-lhes um caráter para os entregar aos corpos e espíritos dos atores. As palavras estão lá, cruas mas também encobertas em sentidos multiplicados – não é fácil falar diretamente, em períodos de regimes repressores. Por isso, cada passo, cada percurso desenhado no espaço haveria de ser como uma investida no objetivo de cada personagem – ninguém se retira, ninguém perde, ninguém sai de cena vencido. Todos acreditam que atingem o que procuram. Há essa dureza, essa crença nestas personagens. Todos, salvo os do povo, que já chegam vencidos. Todos, salvo Matilde, que luta por que libertem o seu amor, que se debate até à resignação, que se entrega, impotente, aos desígnios traçados pelos homens. As tensões são geradas no seio de um jogo permanente entre personagens e a sua relação entre o que mostram e o que ocultam.
Ao ver refletida esta peça dos anos 1960, nos dias de hoje, olhando para o século XX e usando o século XIX como referência, quis ainda uma coisa mais – que se apagasse o símbolo de esperança deste texto, por achar que não se deve cumprir em cena. Não há razões para mantermos a esperança, não há motivos por acreditar no luar!
"Não é uma esmola, é uma medalha, para que a use ao peito. Quem a pague ou a receba, senhora, perde o direito à esperança."
(Manuel a Matilde, in Felizmente há luar!)
Hoje, não temos quem nomear. Não há nem Freires nem Delgados. Mas quantos Vicentes nasceram, entretanto? E por quanto mais tempo os teremos que alimentar? E que povo mudo é este que mantém D. Migueis no poder confiantes da salvação dos Beresford? Matilde de Melo continuará gritando sozinha pela urgência de uma nova luta?
“FELIZMENTE HÁ LUAR!”
de LUÍS DE STTAU MONTEIRO
para o TEP - TEATRO EXPERIMENTAL DO PORTO
Encenação: António Júlio
Desenho de luz: Rui Monteiro
Figurinos: Paula Cabral
Cenografia: João Rosário
Sonoplastia: Eduardo Brandão
Interpretação:
2012: Ângela Marques, Aquiles Dias, Carlos Gonçalves, Edi Gaspar, Élio Ferreira, José Cruz, Maria Teresa Barbosa, Mário Sá, Paulo Mota, Tiago Araújo, Tiago Lourenço
2013: Aquiles Dias, Carlos Gonçalves, Edi Gaspar, Élio Ferreira, José Cruz, Maria Teresa Barbosa, Margarida Carvalho, Paulo Mota, Pedro Fiuza, Tiago Araújo, Tiago Lourenço
2014: Carlos Gonçalves, Daniela Marques, Edi Gaspar, João Cravo Cardoso, João Miguel Mota, José Cruz, Margarida Carvalho, Paulo Moura Lopes, Tiago Araújo, Tiago Jácome, Tiago Lourenço
2015: Carlos Gonçalves, Daniela Marques, Edi Gaspar, João Cravo Cardoso, João Miguel Mota, José Cruz, Margarida Carvalho, Ricardo Barbosa, Tiago Araújo, Tiago Jácome, Tiago Lourenço
2016: Carlos Gonçalves, Daniela Marques, Edi Gaspar, João Cravo Cardoso, João Miguel Mota, José Cruz, Manuel Nabais, Margarida Carvalho, Ricardo Barbosa, Tiago Jácome, Tiago Lourenço
Fotografia 2012: Júlio Moreira
Fotografia 2014: Paulo Pimenta
23 FEV a 22 MAR 2012, 10:30 e 15:00
AUDITÓRIO DO CENTRO CULTURAL E SOCIAL DO OLIVAL
24 MAR a 1 ABR, terça a sábado 21:30, domingos 16:00
AUDITÓRIO MUNICIPAL DE GAIA
18 FEV a 21 MAR 2013, 10:30 e 15:00
AUDITÓRIO DO CENTRO CULTURAL E SOCIAL DO OLIVAL
25 FEV a 20 MAR 2014, 10:30 e 15:00
AUDITÓRIO DO CENTRO CULTURAL E SOCIAL DO OLIVAL
3 a 20 MAR 2015, 10:30 e 15:00
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29 FEV a 17 MAR 2016, 10:30 e 15:00
AUDITÓRIO DO CENTRO CULTURAL E SOCIAL DO OLIVAL